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Neste espaço partilho a minha experiência e conhecimento. Aqui surgem as respostas a muitas dúvidas de pais ou profissionais na área da medicina dentária.

O que é a Medicina Dentária Sustentável?

As consequências das práticas humanas no planeta tornam-se cada dia mais evidentes. O aquecimento global induz alterações climáticas que causam verões mais secos com ondas de calor e invernos com maior precipitação e inundações. Todas estas alterações levam à extinção de espécies e remapeamento do planeta, contribuindo para um desequilíbrio dos ecossistemas.



O que é a Medicina Dentária Sustentável?

A medicina dentária é uma profissão que contribui em muito com resíduos poluentes, consumo de água e energia bastante elevados e enorme desperdício de materiais descartáveis. Por estas razões, constitui uma ameaça para o meio ambiente e revela a necessidade desta prática clínica ser ambientalmente sensível e direcionada para a sustentabilidade. Podemos definir Medicina Dentária Sustentável como uma abordagem alternativa à Medicina Dentária Convencional, que reduz o impacto ambiental das suas práticas, mantendo o nível de consumo de recursos em harmonia com a economia da natureza, salvaguardando o ambiente externo através da redução de resíduos e promovendo o bem-estar de todos aqueles no ambiente clínico, mantendo os produtos químicos fora do ar respirável.



Qual o impacto ambiental da Medicina Dentária?

Os consultórios produzem resíduos químicos, perfurocortantes, infetados e gerais, consomem elevadas quantidades de água e energia e contribuem com emissões de dióxido de carbono (CO2). A motivação para reduzir os resíduos e a sua poluição vem sobretudo da compreensão do impacto ambiental inerente a cada um deles.

O médico dentista, a equipa, os pacientes e mais tarde todos os seres vivos, podem contactar com os resíduos químicos através de metais pesados, soluções de processamento radiográfico (revelador e fixador e são usadas no sistema radiológico tradicional), desinfetantes e esterilizantes. Estes podem causar cancro, distúrbios reprodutivos, doenças respiratórias, irritação ocular e cutânea, comprometimento do sistema nervoso central, entre outros. Outros resíduos podem ter na sua constituição plásticos, que possuem polímeros, principalmente com substâncias como o cloreto de polivinil (PVC) e ftalato de di-2-etilhexila (DEHP) (produto químico utilizado para tornar o plástico de PVC flexível), altamente tóxicos, e policarbonato, que é um desregulador endócrino. Com o seu descarte e a sua incineração libertam para o meio ambiente poluentes orgânicos persistentes (POPs), como dioxinas e furanos, que mostraram ser prejudiciais à saúde e potenciais carcinogéneos. Os polímeros são ainda capazes de atravessar a placenta e serem transmitidos aos fetos e recém-nascidos.

O dia-a-dia de todos os consultórios dentários, com todos os dispositivos eletrónicos e a exigência de fabrico de tantos materiais, em plásticos e papel, e o seu transporte, obriga a uma grande produção adicional de energia e consumo de água. Geralmente, a eletricidade é produzida a partir da queima de combustíveis fósseis, tais como carvão, petróleo e gases naturais. Durante os processos de queima são libertados poluentes para a atmosfera, que são os principais responsáveis pelos gases com efeito de estufa. Conservar água e energia permite prolongar a vida dos recursos naturais e economizar dinheiro. Também a produção de papel apresenta um grande impacto no planeta. As florestas são as responsáveis pela absorção do CO2, o mais nocivo de todos os gases de efeito estufa. Destrui-las aumenta o risco de multiplicar o aquecimento global, além de reduzir outros ecossistemas naturais relacionados, como flora e fauna.



Vários estudos na área da saúde, reconheceram como fontes de alto nível de emissão de CO2 os dispositivos médicos, a energia, as viagens e transportes, os resíduos e os gases anestésicos, usados também nos consultórios médico-dentários. As consequências das emissões de CO2 na atmosfera são amplamente conhecidas, uma vez que as alterações climáticas estão à vista de todos.



Como médico dentista qual é o primeiro passo a tomar?

Uma das maneiras mais fáceis de iniciar a transição para uma prática mais sustentável é desenvolver um plano de redução de resíduos, que passa por implementar os quatro Rs: Repensar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Uma mentalidade voltada para a sustentabilidade e ambientalismo é uma estratégia importante de mudança. Repensar no impacto dos próprios consultórios e quais as estratégias que os mesmos podem adotar é o passo inicial. Em primeiro é preferível evitar a produção de resíduos, reduzindo o seu consumo e em segundo reutilizá-los e recuperá-los o máximo possível, em vez de os descartar em aterros ou incinerá-los.



Como posso tornar a minha prática e o meu consultório mais sustentável? 

Para tornar a transição possível é preciso muito mais do que reciclar papel e plástico de escritório. Entendido o impacto ambiental dos consultórios é necessária uma mudança dos padrões de consumo. Recomenda-se assim:

  • Procedimentos restauradores dentários livres de amálgama e consequentemente de mercúrio;
  • Sistema radiológico digital, em vez do tradicional;
  • Desinfetantes e produtos de limpeza enzimáticos, biodegradáveis, não tóxicos e não clorados;
  • Tintas com percentagem reduzida de compostos orgânicos voláteis (VOCs);
  • Tipo de pavimento mais ecológico, como o linóleo, no revestimento das superfícies dos consultórios;
  • Reciclagem de metais pesados, como mercúrio, prata e chumbo;
  • Materiais reutilizáveis, em vez de descartáveis;
  • Materiais em aço inoxidável, metálicos e outros autoclaváveis;
  • Toalhas de algodão de bloco operatório como babetes dos pacientes;
  • Toucas e panos de limpeza em algodão, em vez de toalhitas descartáveis, para a limpeza do consultório;
  • Programa de esterilização mais sustentável: reciclar mangas da autoclave e/ou ponderar o uso de caixas metálicas perfuradas e folhas de esterilização;
  • Evitar materiais em pequenas doses individuais descartáveis;
  • Converter o sistema de registos clínicos dos pacientes em papel para registos digitais;
  • Combinar procedimentos e fazer marcações de familiares e/ou pessoas que vivam juntar em horários próximos, para reduzir o número de visitas e viagens;
  • Quando for necessária a compra de um material descartável plástico deve-se escolher aqueles que têm na sua composição polietileno (PE), polipropileno (PP) e tereftalato de polietileno (PET) ao invés de PVC e policarbonato;
  • Sempre que possível reciclar alumínio, vidro, plástico, papel e metal;
  • Usar barreiras descartáveis, de plástico ou papel somente quando realmente for necessário;
  • Optar pela compra de produtos com uma embalagem mínima;
  • Sistema de aspiração da cadeira a seco, em vez de húmido;
  • Autoclismo com descarga dupla, em vez da convencional;
  • Sensores de movimento nas torneiras;
  • Construção de edifícios com resistência térmica;
  • Termostatos automáticos em sistemas de aquecimento/arrefecimento;
  • Dispositivos de escritório (impressoras, computadores) e gerais energeticamente eficientes;
  • Máquinas de lavar e secar energeticamente eficientes, quando aplicável;
  • Monitor de computadores LED, em vez de CRT;
  • Desligar os aparelhos quando não estão em uso;
  • Iluminação LED ou fluorescente compacta, em vez de halogénea/incandescente;
  • Iluminação com sensores de movimento em áreas onde as luzes possam ser apagadas a maior parte do tempo;
  • Maximizar a eficiência da iluminação usando a luz do dia através de janelas de vidro duplo e persianas automáticas, que permitam a entrada da luz, mas conservando a temperatura;
  • Encomendas em volume e pedidos combinados, para que se reduzam embalagens e transportes;
  • Escolher os fabricantes e os serviços mais próximos;
  • Uso de tecnologia digital, como por exemplo, o sistema CAD/CAM e impressões dentárias digitais, que reduzem as viagens de pacientes para várias consultas e as idas de material para os laboratórios;
  • Reutilizar as caixas do laboratório;
  • Considerar consultórios com maior eficiência energética, assim como formas sustentáveis e autónomas de energia, como por exemplo a energia eólica ou solar;
  • O gás anestésico sevoflurano, em vez do óxido nitroso;
  • Serviços mais sustentáveis por parte das entidades que apoiam a prática médico-dentária, tais como as empresas de gestão de resíduos;
  • Tratamento de resíduos por autoclavagem e micro-ondas em detrimento da desinfeção química.

A medicina dentária sustentável, para além de ser mais segura para a saúde dos pacientes, da equipa médico-dentária e para o ambiente, já demonstrou ser economicamente viável. Como é um conceito emergente é necessária a sua promoção e divulgação.

Apresenta como limitação o maior risco de contágio e contaminação se não forem tidos todos os cuidados necessários para a devida esterilização dos dispositivos médicos reutilizáveis e para a correta desinfeção de equipamentos de proteção individual e materiais dentários, também reutilizáveis. O grande risco de contágio, na atual pandemia do coronavírus (COVID19), levou a uma exigência muito elevada de equipamentos, que obrigou a uma reflexão sobre o uso de material descartável. A reutilização de equipamentos de proteção individual e dispositivos médicos começa a ser valorizada e será, seguramente, uma prioridade estratégica. Esta nova realidade irá certamente contribuir com métodos mais eficazes de uso, desinfeção e reutilização de materiais.

O ambientalismo e a sustentabilidade estão a tornar-se rapidamente uma prioridade mundial, demonstrando que a medicina dentária sustentável não se trata de uma moda ou tendência passageira.



O grande propósito dos negócios não é, ou não deveria ser, simplesmente ganhar dinheiro. Nem é apenas um sistema de fabrico e venda de coisas. O compromisso dos negócios é aumentar o bem-estar geral da humanidade através de um serviço, de uma invenção ou de uma filosofia ética” (Paul Hawken, A Ecologia do Comércio, 1993).

 

Artigo escrito pela médica dentista,

Ana Rita Cardoso

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