“Tricofagia? Como é possível? A minha filha morde o cabelo? Nunca me apercebi…”
A consulta de medicina dentária não se extingue no exame extra e intra-oral. Nós, médicos dentistas, estamos atentos a toda a história médica e às estruturas anatómicas adjacentes à cavidade oral.
Pode parecer uma consulta rotineira para si, mas pode ser reveladora e importante para o diagnóstico de muitas patologias graves. Sobretudo quando falamos de crianças, que nem sempre se expressam, que nem sempre se manifestam e nem sempre sinalizam o que está certo e errado.
Por estas razões a consulta de medicina dentária desta menina foi super importante para a saúde geral dela e para os pais.
Esta imagem vale mais que mil palavras… sim é verdade… tiramos um a um as pontas de cabelo que estavam “cravadas” na gengiva e entre os dentes… e estas são as que conseguimos ver e por isso remover… não sabemos se estão outras dentro da gengiva… porque na verdade não conseguimos saber há quanto tempo esta nossa paciente tem este hábito…
Mas como consegui eu fazer este diagnóstico?
- Com um exame intra-oral cuidadoso, metódico e minucioso
- Perceber que apenas tinha estas cabelos de um dos lados da boca (por isso só morde o cabelo do lado direito)
- Olhar para o cabelo e confirmar que alguns fios tinham a ponta partida
- Ver se o comprimento do cabelo era suficiente para chegar à boca, mesmo apanhado
- Verificar se tinha peladas na cabeça
Esta última foi para ajudar ao diagnóstico diferencial entre a Tricofagia e a Tricotilomania.
Entende-se por Tricofagia o transtorno comportamental que as faz pessoas comerem, compulsivamente, os próprios fios de cabelo. E o problema destas pontas de cabelo ficarem alojadas na cavidade oral não é assim tão grave quando pensamos que podem formar bolas de cabelo no aparelho digestivo, mais especificamente no intestino delgado, bloqueando-o.
Esta doença é popularmente conhecida como Síndrome de Rapunzel.
Mas, nem todos que arrancam os cabelos são tricófagos. Quem apenas os arranca sem ingerir, sofre de Tricotilomania que é uma anomalia na qual a vítima se satisfaz em arrancar continuamente os fios de cabelo.
Tomei conhecimento deste síndrome através da modelo Sara Sampaio que partilhou nas redes sociais que sofria deste distúrbio. Talvez o facto de ter esse assunto ainda recente na minha cabeça tenha feito o alerta imediatamente.
Citando o artigo da Magg:
“O problema é falar desta patologia como se fossem tiques e manias, muitas vezes dizendo ao doente ‘vê lá se te deixas disso’.”
Os primeiros sintomas manifestam-se, geralmente, durante a adolescência, embora possam surgir mais cedo devido a fatores stressantes (problemas familiares, uma perda, um acontecimento traumático, etc).
O tratamento psicológico é recomendado. Isto é especialmente importante para pacientes com tricotilomania ou tricofagia relacionada com stress e ansiedade.
Envolver os pais no tratamento psicológico é importante pois assim eles podem aprender a apoiar a criança para parar o comportamento.
Alguns estudos mostram associação entre a tricofagia a pessoas com deficiência de ferro. Existem relatos do hábito de arrancar o cabelo e comê-lo cessou após a pessoa ter sido ser tratada para deficiência de ferro ou doença celíaca.
Acredito que no caso desta criança de 8 anos, o distúrbio ainda esteja numa fase inicial e por isso, agora que está sinalizado pelos pais, será mais fácil a eliminação do hábito.